O trabalho de Giovanni Piana, Filosofia della Musica (A Filosofia da Música, tradução de Antonio Angonese, EDUSC, 2001), revela-se profícuo para uma construção de uma filosofia não só da música, como o título aponta, mas do próprio som. Entendemos esta distinção (música-som) como uma básica diferença entre um status socialmente conotado (música) e uma materialidade intrínseca à arte sonora, o som.
Na introdução de seu trabalho, Piana apresenta diversas possibilidades de pensamentos dos signos musicais. O núcleo problematizante desta apresentação é a noção de multiplicidade, trazida na contemporaneidade pelas inúmeras rupturas promovidas por uma musicalidade que se dirigia para as margens do (até então) “musical”. Nesta perspectiva, o tema da “novidade” promovida pela arte sonora do século XX é entendido como não apenas uma dimensão temporal do conceito (novo no sentido de “não visto antes”), mas, extrapolando esta dimensão, coloca-se como a “experiência de um limite e a instância de sua superação” (p. 66). A postura de Varèse, que incorpora não somente as novas sonoridades, mas, em obras como Ionisation, recupera elementos esquecidos pela cultura européia, como a musicalidade ruidística dos intrumentos de percussão, aliados às sirenes da modernidade, é exemplar a este respeito.
As abordagens semióticas da música são vistas então como tentativas de abranger a nova multiplicidade, no que esta se revela irredutível a uma essência do musical. Elas caracterizar-se-iam pelo entendimento da música enquanto linguagem, generalizando as aplicações da linguística aos seu domínios. Uma aplicação especialmente problemática é a da acidentalidade e convencionalidade da relação significante-significado, que, aplicada à música, tornaria o “sentido” musical unicamente dependente de relações socialmente determinadas. Vista desta maneira, o sentido seria unicamente dado pela cultura, ao longo de seu processo de formação.
Assim, segundo Piana,
“(...) o fato de um esquema teórico do tipo empirista, ao qual se deve reconhecer o mérito de uma abertura de princípio para toda ‘novidade’, em um desenvolvimento coerente, leva no entanto a uma consideração dos universos linguísticos como universos fechados, cada qual com o próprio fundo de passado como única origem de suas formações de sentido.” (p.36)
A grande contribuição de Piana, então, é recolocar o papel de uma materialidade do som como início de uma possível reflexão acerca do sentido do musical. Isto não significa restaurar uma visão essencialista da música, cujo abandono é constatado nas primeiras páginas do ensaio, mas de re-locar para as configurações estruturais entre os sons, timbres, silêncios, tal como percebidos, um campo possível de ações da subjetividade, criadora de sentido. Assim, do encontro destas “determinações fenomenológico-estruturais” com os hábitos e costumes socialmente adquiridos poderia se delinear uma filosofia da música mais abrangente.
Mas esta discussão não deveria então permanecer dentro dos limites do musical. A questão da experiência destes limites, tal como relatada por Piana, traz em seu bojo outra, talvez mais profunda: a relação com o sonoro em geral, ao lado da qual passaria ao largo uma filosofia da experiência que se preocupasse tão somente com os sentidos socialmente criados.
Pode-se entender esta reflexão, então (e esperamos prosseguir neste caminho), como o início de uma filosofia da escuta.
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