Se podemos dizer que um dos desenvolvimentos chave da modernidade foi o modo como o sentido da visão foi sendo deslocado de compreensões essencialistas que lhe garantiam uma certa objetividade, (aqui, neste mesmo blog, ver "Espelho, Espelho meu...") para outros subjetivistas, que encerravam a busca de seus limites das materialidades integrantes do corpo, o mesmo poderia ser dito em relação ao sentido da audição.
Como defende Sterne[1], na mesma partida que poderíamos dizer que houve um "Iluminismo" (Enlightment), houve um "Ensoniment" (Audibilismo?), empenhado e distribuído, assim como se constata na história do estudo da visão, entre disciplinas que tomavam como ponto de partida a elucidação dos processos de um aparelho auditivo enquanto base de estudos para responder à questões anteriormente reinantes nas filosofias, assim como questões novas conseqüentes de todo um novo campo emergente.
Condições e efeitos primordiais desta guinada podem ser vistos no papel que a audição e o som passaram a desempenhar nos estudos deste entorno. A audição foi reconstruída enquanto um processo fisiológico, numa conjunção de múltiplos esforços intermeados por estudos fisiológicos, biológicos e mecânicos. O som agora emerge como objeto, deslocando a questão de sua associação com uma fonte, que permanecia até meados do séc. XIX como o modo principal de estudá-lo - o que nos levaria a dizer que, de certo modo, som mesmo não havia. Haviam instrumentos musicais, a voz humana, cantos de pássaros, entre outros elementos de uma paisagem sonora ainda um tanto menos dinamizada pela presença humana no planeta. Mas a idéia de som, como instância caracterizadora dos processos descritos acima, enquanto eventos sonoros, instancias sonoras, pode talvez ser considerado como foco e marco destes movimentos em direção ao corpo.
Como nos mostra Sterne,
"Prior to the 19 century, philosophies of sound usually considered their object through a particular, idealized instance such as speech or music. As the notion of frequency took hold in 19 century physics, acoustics, otology and physiology, these fields broke with the older philosophies of sound. Where speech or music had been the general categories through which sound was understood, they were now special cases of the general phenomenon of sound. (...) Sound itself became the general category, the object of knowledge, research, and practice."(p. 23)[2]
Um dos objetivos principais do autor em seu "Audible Past" é exatamente mostrar o quanto, os processos comumente descritos em torno da visão, ocorreram em simultaneidade (e por tantos momentos em co-relação) com os processos em direção às audibilidades, reinvidicando a este estudo a possibilidade de atuar como um "outro mapa" em direção à modernidade.
[1] Ver Sterne, Jonathan - "The Audible Past: Cultural Origins of sound reproduction"
[2] "Anteriormente ao séc. XIX, filosofia do som normalmente consideravam seu objeto através de uma instancia particular, idealizada como a fala ou a música. Conforme o conceito de freqüência toma a cena na física, acústica, otologia e fisiologia do séc. XIX, estes campos cortaram com as velhas filosofias do som. Enquanto fala ou música haviam sido as categorias gerais pelo qual o som era entendido, elas eram agora casos específicos do fenômeno geral do som. (...) O próprio som tornou-se a categoria geral, o objeto de estudo, pesquisa e prática." (Ibid. p. 23)
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