segunda-feira, 21 de maio de 2007

Alfabetizando a visão

Como somos traídos pela nossa visão? Quando olhamos para uma imagem, por exemplo, e não conseguimos num primeiro instante reconhecer todos os elementos presentes, ou, a perspectiva da figura, ou mesmo a ordem de sobreposições? Como olhamos e não conseguimos enxergar? Quando estamos diante de interface gráfica digital, por exemplo, procurando uma informação e não a localizamos naquele espaço físico?

Como reconhecemos um trabalho de arte de um profissional e de um amador? Como reconhecemos itens de interação? Como reagimos à miniaturização dos aparatos tecnológicos? Como estamos alfabetizando nossa visão?

Na verdade, não percebemos essas dificuldades ou situações. Usamos nossos sentidos habitualmente, sem prestar atenção em como eles agem e respondem a determinados estímulos e terminamos por não explorar toda a sua capacidade funcional.

Marcel Mauss, sociólogo e antropólogo francês, dizia no final do século XIX, que técnica corporal é a maneira como os homens e a sociedade sabem servir-se de seus corpos. Toda e qualquer atividade é aprendida pelo corpo, contextualizado socialmente e limitado em sua materialidade. O corpo aprendeu a ficar ereto. Aprendeu a caminhar com dois pés, aprendeu a usar os talheres, a dormir em redes, pode ser treinado para girar no ar. E pode mudar esse jeito para se adequar a necessidades ou simplesmente para ser recontextualizado socialmente. Mauss conta que, uma vez nos Estados Unidos, ficara impressionado com o gingado das americanas – idêntico ao caminhar das atrizes de Hollywood. Algum tempo depois, de volta à França, observou que as francesas também haviam mudado o gingado: o cinema chegara à Paris!

Assim como o corpo pode aprender novas formas de atuar no seu espaço, de acordo com suas necessidades físicas, padrões de moda ou cultura, nossa visão também pode ser treinada para outras formas de ver.

Uma pesquisa publicada na revista Scientific American Brasil revela que a visão tem mais potência do que se pensava: a retina faz muito mais que apenas enviar sinais ao cérebro, ela cria 12 diferentes representações de uma cena visual, que os cientistas chamam de filmes. Gerados por poucos tipos de neurônios, esses filmes são a Gestalt da imagem: cada um deles incorpora uma representação primitiva de um aspecto ambiente que a retina atualiza constantemente e envia ao cérebro. Uma representação pode ser o contorno da imagem, outra o movimento, outra ainda carregam as informações sobre sombras ou pontos de luminosidade. São esses filmes fantasmagóricos, abstratos e sofisticados que o cérebro utiliza para construir o mundo visual preciso em detalhes e rico em significados.

Quando os pesquisadores decifrarem a linguagem visual desses filmes, será possível construir sensores artificiais que devolvam a visão a um cego. Além disso, esse estudo ajudará nos esforços para descobrir como o olho e o cérebro enxergam com nitidez e como são enganados por ilusões.

A partir dessa descoberta que potencializa o poder de nossos olhos, podemos imaginar no futuro um ser humano sensorialmente mais desenvolvido? Poderemos ver aspectos isolados em cenas complexas? Poderemos isolar as cores do cenário, enxergando apenas os objetos vermelhos? Ou seremos acossados pelos aparatos tecnológicos que inibirão o aperfeiçoamento e alfabetização dos nossos sentidos?

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