quarta-feira, 23 de maio de 2007

Poemas visuais em territórios digitais

A poesia brasileira contemporânea, introduzida nos últimos cinqüenta anos, inaugurou novas formas de expressão, mais condizentes com uma sociedade em que a velocidade é item determinante. A tecnologia e a linguagem dos meios de comunicação de massa passaram a questionar os hábitos do leitor, pois, a partir do movimento vanguardista do Concretismo, a relação entre o poema e o leitor se daria através da comunicação visual, mais do que da verbal.


O Concretismo abandona o discurso tradicional, privilegiando os recursos gráficos das palavras, e suas outras características são: a abolição do verso e o aproveitamento do espaço.

Na mesma época, radicalizando a proposta dos concretistas, o poema/processo surge com a proposta de usar, sobretudo, signos visuais. Explora as possibilidades poéticas contidas em signos não-verbais. É um tipo de mensagem mais para ser visto do que ser lido.

Essas mesmas tendências nós encontramos hoje na poesia visual do mundo digital. Os poetas virtuais usam, abusam e adotam as tecnologias para promover outra forma de leitura.

Exerimente alguns exemplos criativos:

- http://concretismo.zip.net/

- http://www.geocities.com/SoHo/Lofts/7308/ppoesias.htm

- http://www.anaaly.art.br/

- http://www.heterogenesis.com/Artistas/Padin/Padin.htm

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Alfabetizando a visão

Como somos traídos pela nossa visão? Quando olhamos para uma imagem, por exemplo, e não conseguimos num primeiro instante reconhecer todos os elementos presentes, ou, a perspectiva da figura, ou mesmo a ordem de sobreposições? Como olhamos e não conseguimos enxergar? Quando estamos diante de interface gráfica digital, por exemplo, procurando uma informação e não a localizamos naquele espaço físico?

Como reconhecemos um trabalho de arte de um profissional e de um amador? Como reconhecemos itens de interação? Como reagimos à miniaturização dos aparatos tecnológicos? Como estamos alfabetizando nossa visão?

Na verdade, não percebemos essas dificuldades ou situações. Usamos nossos sentidos habitualmente, sem prestar atenção em como eles agem e respondem a determinados estímulos e terminamos por não explorar toda a sua capacidade funcional.

Marcel Mauss, sociólogo e antropólogo francês, dizia no final do século XIX, que técnica corporal é a maneira como os homens e a sociedade sabem servir-se de seus corpos. Toda e qualquer atividade é aprendida pelo corpo, contextualizado socialmente e limitado em sua materialidade. O corpo aprendeu a ficar ereto. Aprendeu a caminhar com dois pés, aprendeu a usar os talheres, a dormir em redes, pode ser treinado para girar no ar. E pode mudar esse jeito para se adequar a necessidades ou simplesmente para ser recontextualizado socialmente. Mauss conta que, uma vez nos Estados Unidos, ficara impressionado com o gingado das americanas – idêntico ao caminhar das atrizes de Hollywood. Algum tempo depois, de volta à França, observou que as francesas também haviam mudado o gingado: o cinema chegara à Paris!

Assim como o corpo pode aprender novas formas de atuar no seu espaço, de acordo com suas necessidades físicas, padrões de moda ou cultura, nossa visão também pode ser treinada para outras formas de ver.

Uma pesquisa publicada na revista Scientific American Brasil revela que a visão tem mais potência do que se pensava: a retina faz muito mais que apenas enviar sinais ao cérebro, ela cria 12 diferentes representações de uma cena visual, que os cientistas chamam de filmes. Gerados por poucos tipos de neurônios, esses filmes são a Gestalt da imagem: cada um deles incorpora uma representação primitiva de um aspecto ambiente que a retina atualiza constantemente e envia ao cérebro. Uma representação pode ser o contorno da imagem, outra o movimento, outra ainda carregam as informações sobre sombras ou pontos de luminosidade. São esses filmes fantasmagóricos, abstratos e sofisticados que o cérebro utiliza para construir o mundo visual preciso em detalhes e rico em significados.

Quando os pesquisadores decifrarem a linguagem visual desses filmes, será possível construir sensores artificiais que devolvam a visão a um cego. Além disso, esse estudo ajudará nos esforços para descobrir como o olho e o cérebro enxergam com nitidez e como são enganados por ilusões.

A partir dessa descoberta que potencializa o poder de nossos olhos, podemos imaginar no futuro um ser humano sensorialmente mais desenvolvido? Poderemos ver aspectos isolados em cenas complexas? Poderemos isolar as cores do cenário, enxergando apenas os objetos vermelhos? Ou seremos acossados pelos aparatos tecnológicos que inibirão o aperfeiçoamento e alfabetização dos nossos sentidos?

sábado, 19 de maio de 2007

Games e imersão

Pensar em imersão por meio das novas tecnologias informacionais nos remete diretamente aos primórdios da arte ilusionista. Não é novo o desejo do homem de se colocar, ao menos virtualmente, dentro da própria obra de arte, eliminando as fronteiras entre seu mundo e aquele representado através da “janela renascentista”. Desde as instalações do Sacro Monte, passando pelos panoramas do século XVIII e chegando aos games contemporâneos, vemos que este desejo de estar fisicamente presente em outro ambiente – aquele com o qual interagimos – foi um dos grandes objetivos dos artistas e pesquisadores de diversos campos do conhecimento.

Diferentemente de grande parte dos games atuais, que propõem uma imersão estritamente “psicológica” em seus ambientes virtuais, aquelas instalações proporcionavam aos seus “espectadores” uma imersão total, de “corpo e alma”. Todavia, no contexto dos games, este paradigma vem sendo retomado por dispositivos que buscam expandir o envolvimento do usuário/jogador para além da imagem e do som, como o Guitar Hero e o Eye Toy, desenvolvidos para operar com o console Playstation, e ainda o conjunto de equipamentos que integram o console Wii, da Nintendo. Nesta nova era dos consoles, o que está em jogo é a superação das fronteiras entre real e virtual.

Ver texto completo em:

http://www.gamepad.com.br/cont/download/imersao_e_interatividade.pdf

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Paisagens Sonoras - 1a. parte

Imaginar o ambiente descrito no post anterior, considerando sua específica carga de elementos visuaudiolfatacteis, é algo que circunscreve e demarca uma época igualmente específica. Podemos reconhecer na cena diversos elementos de uma paisagem urbana contemporânea pós-eletrificada. Há uma festa, possivelmente com um número menor de pessoas que o volume de som poderia para épocas anteriores sugerir – as tecnologias de gravação, amplificação e reprodução sonora permitem que se faça muito barulho com pouco! Estimulações se insurgem de todos os lados, no melhor estilo do espaço acústico. A proximidade geográfica de eventos completamente alheios à festa (como a criança berrante em algum lugar outro) é cada vez maior, de modo que o som ao fundo de uma festa é constantemente uma outra festa, num fogo contra fogo interminável, elevado em alguns momentos, reduzido em outros. Mas há cidades que nunca dormem...

Para os que possam ouvir (sem excluir as máquinas de reprodução sonora), poderíamos entender o ambiente descrito como uma paisagem sonora. Termo concebido nos estudos efetuados por R. Murray Schafer e Barry Truax a partir dos anos 60 (coroados no livro de Schafer de 1977 “The tuning of the world”), fabricado num conjunto de ferramentas que visam dar conta de fazer a história das transformações que o ambiente audível sofre, sofreu e sofrerá ao longo da história dos procedimentos de civilização.

Estar em qualquer parte do globo implica estar cercado de sons, cuja interação dinâmica delimita uma paisagem sonora, um espaço experiencial auditivo. Em "The tuning of the world" Schafer parte de descrições literárias (uma vez que só se tornou possível algum modo de registrar paisagens sonoras a partir do séc. XX) e de inferências tendo como base o conceitual da acústica, procurando acompanhar estas transformações. Como uma paisagem sonora se alterou a partir da entrada de cada nova tecnologia? Que tipo de demandas sonoras poderiam estar em jogo nesta nova tecnologia que deram origem a outras tecnologias e a novas demandas? Além disso, como um certo tipo de paisagem sonora poderia influenciar determinada organização cultural, seja em suas produções, na sua sistematização de valores, e vice-versa?

No percurso dessa história, duas condições de paisagem se colocam no cerne da transição da paisagem de características mais rurais para a de características mais urbanas, Hi-Fi e Lo-Fi. Uma paisagem sonora que tende ao Hi-Fi é uma paisagem na qual seus elementos são facilmente audíveis separadamente, pode-se acompanhar os momentos de seu surgimento, seu desenvolvimento e extinção. A condição Lo-Fi, em oposição, os sons separados se acumulam e se entremeiam uns nos outros, tornando difícil distinguí-los tanto uns dos outros, quanto a distância, uma vez que são aniquilados, obscurecidos em muito antes de chegarem aos ouvintes.

Como mostra Schafer,

"A paisagem sonora hi-fi é aquela em que os sons separados podem ser claramente ouvidos em razão do baixo nível de ruído ambiental. Em geral, o campo é mais hi-fi que a cidade, a noite mais que o dia, os tempos antigos mais que os modernos. Os sons se sobrepõem menos freqüentemente; há perspectiva – figura e fundo. (...) O ambiente silencioso da paisagem hi-fi permite ao ouvinte escutar mais longe, à distância, a exemplo dos exercícios de visão à longa distância no campo. A cidade abrevia essa habilidade para a audição à distância, marcando uma das mais importantes mudanças na história da percepção."[1]

Retomando as questões colocadas anteriormente, como poderiamos entender os efeitos da passagem de uma exposição de paisagem sonora Hi-Fi para Lo-Fi? Em que medida podemos associar as transformações na paisagem sonora, às passagens do espaço visual para o acústico? Os efeitos de uma paisagem sonora Lo-Fi poderiam ser entendidos como uma saturação efetuada pela audição, transbordando aos demais sentidos, das características do espaço acústico?

Historiar as paisagens sonoras é especialmente fazer uma história sobre as transformações que homem e a tecnologia vêm promovendo, um ao outro, durante os milênios eternos de sua relação.



[1] Murray Schafer, R. "The tuning of the world" (p. 71, 72)

domingo, 13 de maio de 2007

O que queremos quando estudamos as materialidades dos meios e sensorialidades.

Afetividade e Sensorialidade

As dinâmicas de comunicação são dinâmicas da própria cultura. Isto significa entender os processos de produção de sentidos, a partir da partilha de mensagens, como processos apreendidos dentro de uma dada cultura. Jogos simbólicos, imaginários e culturais, assim, são experiências artificiais marcadas pela arbitrariedade, inscritas em tempos e grupos sociais específicos.
Os estudos antropológicos já demonstraram a dificuldade de se afirmar os contornos de uma natureza humana que pudesse ser entrevista por detrás da cultura.(Geertz, 1989) Por outro lado, a enorme diversidade de práticas culturais tais como, por exemplo, gostos culinários, estética, beleza dos corpos, modos de ver e de ouvir, práticas eróticas e sexuais, formas de se vestir, de se cumprimentar, dentre tantas outras que marcam diferentes sociedades, reafirmam, por um lado, a artificialidade do humano, por outro, como esta artificialidade ganha feições de natureza humana, quando bem implementada, quando bem inscrita e materializada nos corpos.
O que buscamos com o grupo de pesquisa VISUAUDIOLFATACTIL é pensar como, no processo de formação de cada corpo, ou nos processos de subjetivação, a cultura é apreendida a partir de dinâmicas de comunicação e, neste sentido, analisar como as mídias podem participar de tais dinâmicas. Em outros termos, o que se quer focar aqui é como um corpo que é vocacionado para múltiplos comportamentos e gostos pode apreender, através dos meios de cada época, as mensagens de uma dada cultura, inscrevendo tais mensagens como materialidades corpóreas. Ou ainda, o que está em análise é como este processo de inscrição de mensagens de uma cultura nos corpos é dependente das mídias de cada época, mas também afeta as materialidades dessas mesmas mídias. Para tanto, investimos sobre as materialidades dos corpos e das mídias, articulando-as aos imaginários e sensorialidades que emergem e se alteram continuamente. É este conjunto de questões e temas que estarão presentes neste blog.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Contaminação dos sentidos

Como o cérebro reage quando é exigido ao extremo pelos sinais vindos do mundo?

Nossos sentidos são impactados por diversos estímulos o tempo todo e sabemos que a formação da percepção é biológica e também cultural. Mas como os sentidos interagem para interpretar e reconhecer esses estímulos?

Imagine-se no seguinte ambiente: “Da esquerda soa, no último volume, uma música antiga e famosa. “Vamos entrando!”, grita alguém do outro lado. Atrás, um grupo de jovens dá risada e, em algum lugar, uma criança berra. Simultaneamente, brilham e reluzem por toda parte luzes coloridas, enquanto nossos olhos tentam acompanhar os loopings da montanha-russa. O tumulto de um parque de diversões inunda nossos sentidos. E talvez o programa não fosse tão bom sem essa multiplicidade de estímulos, sem a concentração de pessoas, o empurra-empurra e o acotovelamento, sem o sorvete na mão ou o cheiro de algodão-doce e pipoca”.

Esse é o exemplo usado por Christoph Kayser, matemático e doutor em ciências naturais pelo Dept. Biology ETH Zürich, para mostrar o processamento do cérebro impactado por vários sinais sensoriais (táteis, visuais, auditivos) ao mesmo tempo. Kayser desenvolve pesquisas sobre a integração de informações sensoriais, investigando a complexa rede de transmissões ocorridas a partir da inundação de estímulos diversos, o que ele chama de ‘integração sensorial’.

Em seu artigo mais recente, publicado na Scientific American Mind, ele revela um interesse especial por situações em que o cérebro se ludibria produzindo falsas imagens de um ambiente, como o efeito enganoso de ventríloquo. “Embora a voz que se ouve não seja originada pela boca em movimento do boneco, a impressão que temos é exatamente essa”, afirma. O mesmo exemplo serve para o cinema, quando acreditamos que os atores estão falando, mas suas vozes são reproduzidas pelos alto-falantes.

Para Kayser, nosso cérebro trabalha com a premissa de que “a fonte do que é dito se encontra onde os lábios se movem no ritmo adequado – ele combina, portanto, de forma significativa e entre si, a impressão de audição e de visão”. Assim, a informação se processa tanto na palavra falada quanto no movimento dos lábios.

Essa mesma combinação entre os sentidos ocorre em situações em que percebemos melhor a luz quando vinculada a uma sensação auditiva. Como quando estamos num barco em movimento, olhando para a luz emitida por um farol e nossa percepção da luz diminui gradativamente. Se houver um barulho associado ao movimento da luz, levaremos mais tempo para deixar de percebê-la, veremos a luz por mais tempo. Através da ilusão, o cérebro tenta construir um ambiente real.

Nos últimos anos, os pesquisadores da percepção revelaram que a atividade sensorial é mais intensa quando estímulos táteis e visuais ocorrem simultaneamente e que algumas áreas cerebrais se tornam ativas quando dados sensoriais diferentes convergem. Para os pesquisadores da percepção, o cérebro trabalha de várias formas, mas duas são presumíveis: na primeira, os sistemas sensoriais atuam isolados, processando as informações que recebem e se combinando ao final do processo. Na segunda, cada sentido consegue co-interpretar precocemente os estímulos percebidos e, para formar a impressão total, eles se complementam em frações de segundo.

Para encontrar o caminho que o cérebro percorre para formar as sensações, as pesquisas se utilizam de recursos tecnológicos científicos como tomografias de ressonância magnética e tomografia de spin nuclear. Depois de vários estudos, o caminho que o cérebro percorre ao certo, não se sabe, mas foi possível detectar que a integração sensorial se dá em áreas auditivas superiores, ocorrendo precocemente. Assim, a forma em que cada sentido atua isoladamente parece falsa e o segundo modelo - de fusão sensorial - precoce parece ser o mais válido na questão.

Fontes de pesquisa:
- Carrosel dos sentidos. C Kayser, em Viver - Mente e Cérebro (Scientific American), págs. 65-67, maio, 2007
- http://www.kyb.mpg.de/publication.html?user=kayser - publicações de
C Kayser

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Homo Ludens


Para quem ainda acha que videogame é coisa de adolescente “nerd”, eis que novamente aparece o Wii, da Nintendo, derrubando – ou melhor, demolindo – antigos paradigmas. Desta vez o console caiu – literalmente – nas garras de um grupo de terceira idade de uma casa de repouso na Virgínia, Estados Unidos.

Ruth Ebert, 82 anos, habitante da casa, é uma das novas usuárias do console. "É engraçado, porque normalmente eu não seria alguém que faz algo desse tipo. Eu jogava tênis, se é que a descrição se aplica, quando estava no segundo grau. E me divertia muito", diz Ebert. Ela ainda diz que “jogar o videogame a faz recordar as sensações que sentia tantos anos atrás”. Outro novo usuário, Ted Campbell, 77 anos, habitante da mesma casa, afirma: “Eu acho ele (o Wii) tremendo”.

Durante muitos anos, o mercado mundial de videogames – que movimenta mais de 30 bilhões de dólares ao ano – teve seu foco direcionado para as crianças, adolescentes, e ainda para o público masculino. A aposta da Nintendo ao lançar o Wii foi de fornecer um videogame “para toda a família”. E parece que a aposta está dando certo. Além disso, diferentemente de seus concorrentes – sobretudo o Xbox 360, da Microsoft, e o Playstation 3, da Sony – que continuam apostando na altíssima qualidade gráfica e sonora de seus jogos, a Nintendo inaugura um novo paradigma no mercado de games, abrindo mão dos gráficos em alta resolução e concentrando seus esforços numa participação mais intuitiva do usuário, na qual todo o seu corpo é convidado a entrar em ação: novas percepções, novas sensorialidades.

Fonte dos depoimentos: Reuters.

terça-feira, 8 de maio de 2007

ODOR & COMUNICAÇÃO



Radicada em Berlim, a norueguesa Sissel Tolaas, que pesquisa a relação entre odores, linguagem e comunicação humanas, desde 2005 se dedica a estudar e reproduzir sinteticamente o "cheiro do medo".

Em 2006 Tolaas criou uma experiência odorífica bastante curiosa na exposição Sensorium: Embodied Experience, Technology, and Contemporary Art, no MIT List Visual Arts Center, evento cujo objetivo foi investigar se os avanços tecnológicos na pesquisa de periféricos para aromatizar a interface digital e tecnologias hápticas seriam capazes de desbancar a predominância da visão sobre os demais sentidos. Tradicionalmente, afinal, pela dificuldade de expressar descrições precisas, a cultura humanista tem associado visão à razão, esclarecimento e ao mito do progresso, enquanto o olfato foi relegado ao primitivo, à base animal.



Toolas recolheu amostras do odor exalado pelas axilas de nove voluntários considerados fóbicos em estado de pavor, recobrindo uma parede inteira com o cheiro que, apesar de impregnar o ambiente, funcionou como uma gigantesca cartela de odorama ativada pela manipulação dos visitantes. A variedade de odores - decerto não muito agradáveis - era impressionante. Segundo Toolas, somos condicionados a execrar determinados aromas, digamos, invasivos, e na complexa relação entre cheiro, emoção e memória, entre os odores favoritos se incluem o perfume de flores ou de pão fresco, enquanto aqueles considerados desagradáveis em geral são associados ao corpo.



A identidade dos homens foi mantida em sigilo, já que, de acordo com Toolas, a obra apenas trata do corpo como ferramenta de comunicação, do que acontece quando o corpo fala através do odor.



Recordar é viver:
A lendária cartela de odorama usada nas exibições de Polyester (John Waters,1981), o primeiro filme "com cheiro":http://www.kulture-void.com/motion/swelter_in_vogue/polyester.html

Drogas e Sensorialidades Digitais

Post "doado" pelo blog digital trash(http://ewpdigitaltrash.blogspot.com)


Timothy Leary(22/10/1920 – 31/05/1996) - conhecido como o cientista/professor que foi expulso da academia e do seu próprio país(EUA) ao querer expandir a consciência produzindo, ingerindo e incentivando o consumo de LSD - ao final da sua vida abandona toda a crença de que as drogas sintéticas serviriam para o fim sonhado. No vídeo que grava no momento em que está morrendo anuncia a Internet como a nova droga expansora da mente. Hoje Leary teria como conciliar os dois modos preconizados para alterar e expandir a mente . É isso que promete o site http://www.i-doser.com/ com doses de simuladores de drogas como o peyote, a marijuana, a cocaina e o ópium a apenas um click. A idéia é simular os efeitos das drogas por meio de sons capazes de alterar as ondas do cérebro. O curioso é que os tais sons se apresentam como musiquinhas familiares ao universo de música eletrônica contemporânea. O que permitiria que uma festinha qualquer "distribuisse" a droga através do DJ. Questões jurídicas a respeito ainda são difíceis de serem respondidas. É lícito? Quem vende o som/droga deve ser visto como contraventor e criminoso?... Neste caso, mais uma vez e, talvez, mais do que nunca, o velho McLuhan estava certo: o meio é a mensagem.( Sobre Leary em um experimento para alteração e expansão da mente ver: http://http//www.youtube.com/watch?v=SQq_XmhBTgg )

Aurora

Os posts que vêm compondo os primeiros passos deste blog são todos marcados com o termo "Aurora". Isso deve ser entendido como uma primeira fase de trocas de idéias que vem ocorrendo dentro dos encontros presenciais que realizamos todas as semanas no Programa de Pós Graduação em Comunicação da UERJ(reuniões abertas a quem possa se interessar), e como uma forma de difundirmos o escopo do grupo de pesquisa. Assim, pode-se observar que os posts falam de música, refletindo nossas reflexões sobre audibilidades (primeira etapa de investigações), mas, também já anunciam o interesse e a etapa futura de nossos estudos que estará investigando questões relacionadas às visualidades. Como interesse maior estão todas as sensorialidades que estão em processo de transformação com o advento e populariazação das novas tecnologias de comunicação e com novos espaços e experiências urbanas. A idéia em marcar os textos iniciais com o termo Aurora, diz respeito à possibilidade de, a qualquer momento,um leitor que esteja tendo o primeiro contato com o blog, recuperar os passos inciais do grupo.

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Harmonic Fields Forever

http://video.google.com/videoplay?docid=8025207688616163115

Composição eletrônica de B. Agra e J.-P. Caron, com improvisações ao vivo por Marcos Campello (guitarra) e J.-P. Caron (piano). Difusão eletroacústica por Alexandre Fenerich.
Sala Cecília Meirelles, Agosto de 2006, Rio de Janeiro.

Harmonic Fields Forever. Campos harmônicos eternos. Duas dimensões se desprendem do título: uma dimensão material (campos harmônicos) e uma relativa à temporalidade (eternos).
Estas dimensões não se apresentam separadamente, mas mantém íntima correlação, não só para a música como um todo, mas para o funcionamento interno de cada uma delas.
Campos harmônicos diz respeito ao desdobramento de um espaço acústico ilimitado, potencialmente infinito. A nomenclatura “Campos” guarda um caráter impreciso quanto à localização exata dos eventos. Sua percepção é efetuada globalmente, característica de uma audibilidade focada em ocupações homogêneas do espaço sonoro.
Mas esta ocupação se dá necessariamente no tempo. Donde a referência temporal do título. No caso, uma duração ilimitada. Isto diz respeito à sustentação de um campo sonoro, que para constituir-se enquanto tal, precisa da duração.

A obra existe de um lado (fenomenólogico) na sustentabilidade de espectros sonoros saturados, de outro (cultural) no limiar de uma experiência radical de concerto com uma apropriação underground de materiais “não-musicais” (noise/industrial).

O título faz referência a uma conhecida canção pop.

Audibilismo

Se podemos dizer que um dos desenvolvimentos chave da modernidade foi o modo como o sentido da visão foi sendo deslocado de compreensões essencialistas que lhe garantiam uma certa objetividade, (aqui, neste mesmo blog, ver "Espelho, Espelho meu...") para outros subjetivistas, que encerravam a busca de seus limites das materialidades integrantes do corpo, o mesmo poderia ser dito em relação ao sentido da audição.

Como defende Sterne[1], na mesma partida que poderíamos dizer que houve um "Iluminismo" (Enlightment), houve um "Ensoniment" (Audibilismo?), empenhado e distribuído, assim como se constata na história do estudo da visão, entre disciplinas que tomavam como ponto de partida a elucidação dos processos de um aparelho auditivo enquanto base de estudos para responder à questões anteriormente reinantes nas filosofias, assim como questões novas conseqüentes de todo um novo campo emergente.

Condições e efeitos primordiais desta guinada podem ser vistos no papel que a audição e o som passaram a desempenhar nos estudos deste entorno. A audição foi reconstruída enquanto um processo fisiológico, numa conjunção de múltiplos esforços intermeados por estudos fisiológicos, biológicos e mecânicos. O som agora emerge como objeto, deslocando a questão de sua associação com uma fonte, que permanecia até meados do séc. XIX como o modo principal de estudá-lo - o que nos levaria a dizer que, de certo modo, som mesmo não havia. Haviam instrumentos musicais, a voz humana, cantos de pássaros, entre outros elementos de uma paisagem sonora ainda um tanto menos dinamizada pela presença humana no planeta. Mas a idéia de som, como instância caracterizadora dos processos descritos acima, enquanto eventos sonoros, instancias sonoras, pode talvez ser considerado como foco e marco destes movimentos em direção ao corpo.

Como nos mostra Sterne,

"Prior to the 19 century, philosophies of sound usually considered their object through a particular, idealized instance such as speech or music. As the notion of frequency took hold in 19 century physics, acoustics, otology and physiology, these fields broke with the older philosophies of sound. Where speech or music had been the general categories through which sound was understood, they were now special cases of the general phenomenon of sound. (...) Sound itself became the general category, the object of knowledge, research, and practice."(p. 23)[2]

Um dos objetivos principais do autor em seu "Audible Past" é exatamente mostrar o quanto, os processos comumente descritos em torno da visão, ocorreram em simultaneidade (e por tantos momentos em co-relação) com os processos em direção às audibilidades, reinvidicando a este estudo a possibilidade de atuar como um "outro mapa" em direção à modernidade.



[1] Ver Sterne, Jonathan - "The Audible Past: Cultural Origins of sound reproduction"

[2] "Anteriormente ao séc. XIX, filosofia do som normalmente consideravam seu objeto através de uma instancia particular, idealizada como a fala ou a música. Conforme o conceito de freqüência toma a cena na física, acústica, otologia e fisiologia do séc. XIX, estes campos cortaram com as velhas filosofias do som. Enquanto fala ou música haviam sido as categorias gerais pelo qual o som era entendido, elas eram agora casos específicos do fenômeno geral do som. (...) O próprio som tornou-se a categoria geral, o objeto de estudo, pesquisa e prática." (Ibid. p. 23)

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Sensorialidades para além do wii - Game controlado por pensamento.

Por essa e outras que insisto que os games dão as cartas na formação das novas sensorialidades hoje em dia...

A NeuroSky, empresa de Silicon Valley, está desenvolvendo brinquedos que podem ser controlados pelo pensamento. Usam uma tecnologia de leitura das ondas cerebrais. Um dos prototipos é uma fantasia de Darth Vader que inclui um sabre de luz que acende e apaga de acordo com o que o usuario pensa - um sensor dentro da mascara fica em contato com a testa, lê os sinais eletricos do cerebro e os envia para um receptor no sabre. O usuario tem que manter a concentraçao - pensar em manter o sabre aceso ou canalizar os pensamentos atraves de imagens mentais. Quando a mente vagueia, o sabre apaga. A tecnologia da empresa e de outras startups com pesquisas na mesma linha pode ser aplicada aos viodegames, tornando os jogos ainda mais estimulantes e realistas. Poderá até mesmo capacitar os jogadores a controlarem seus personagens em games ou avatares em mundos virtuais usando apenas o pensamento.
(Notícia da AP repassada por Lala)

Uma filosofia do som

O trabalho de Giovanni Piana, Filosofia della Musica (A Filosofia da Música, tradução de Antonio Angonese, EDUSC, 2001), revela-se profícuo para uma construção de uma filosofia não só da música, como o título aponta, mas do próprio som. Entendemos esta distinção (música-som) como uma básica diferença entre um status socialmente conotado (música) e uma materialidade intrínseca à arte sonora, o som.
Na introdução de seu trabalho, Piana apresenta diversas possibilidades de pensamentos dos signos musicais. O núcleo problematizante desta apresentação é a noção de multiplicidade, trazida na contemporaneidade pelas inúmeras rupturas promovidas por uma musicalidade que se dirigia para as margens do (até então) “musical”. Nesta perspectiva, o tema da “novidade” promovida pela arte sonora do século XX é entendido como não apenas uma dimensão temporal do conceito (novo no sentido de “não visto antes”), mas, extrapolando esta dimensão, coloca-se como a “experiência de um limite e a instância de sua superação” (p. 66). A postura de Varèse, que incorpora não somente as novas sonoridades, mas, em obras como Ionisation, recupera elementos esquecidos pela cultura européia, como a musicalidade ruidística dos intrumentos de percussão, aliados às sirenes da modernidade, é exemplar a este respeito.
As abordagens semióticas da música são vistas então como tentativas de abranger a nova multiplicidade, no que esta se revela irredutível a uma essência do musical. Elas caracterizar-se-iam pelo entendimento da música enquanto linguagem, generalizando as aplicações da linguística aos seu domínios. Uma aplicação especialmente problemática é a da acidentalidade e convencionalidade da relação significante-significado, que, aplicada à música, tornaria o “sentido” musical unicamente dependente de relações socialmente determinadas. Vista desta maneira, o sentido seria unicamente dado pela cultura, ao longo de seu processo de formação.
Assim, segundo Piana,

“(...) o fato de um esquema teórico do tipo empirista, ao qual se deve reconhecer o mérito de uma abertura de princípio para toda ‘novidade’, em um desenvolvimento coerente, leva no entanto a uma consideração dos universos linguísticos como universos fechados, cada qual com o próprio fundo de passado como única origem de suas formações de sentido.” (p.36)

A grande contribuição de Piana, então, é recolocar o papel de uma materialidade do som como início de uma possível reflexão acerca do sentido do musical. Isto não significa restaurar uma visão essencialista da música, cujo abandono é constatado nas primeiras páginas do ensaio, mas de re-locar para as configurações estruturais entre os sons, timbres, silêncios, tal como percebidos, um campo possível de ações da subjetividade, criadora de sentido. Assim, do encontro destas “determinações fenomenológico-estruturais” com os hábitos e costumes socialmente adquiridos poderia se delinear uma filosofia da música mais abrangente.
Mas esta discussão não deveria então permanecer dentro dos limites do musical. A questão da experiência destes limites, tal como relatada por Piana, traz em seu bojo outra, talvez mais profunda: a relação com o sonoro em geral, ao lado da qual passaria ao largo uma filosofia da experiência que se preocupasse tão somente com os sentidos socialmente criados.


Pode-se entender esta reflexão, então (e esperamos prosseguir neste caminho), como o início de uma filosofia da escuta.

terça-feira, 1 de maio de 2007

ESPELHO, ESPELHO MEU...


Dentre as muitas ficções sedimentadas como estatuto de verdade ao longo dos séculos pela cultura ocidental, uma das mais fantásticas é a idéia de hegemonia da visão sobre os demais sentidos. No entanto, curiosamente, o olhar entronizado como principal sentido para a aquisição de conhecimento não é um olhar "natural", e sim um olhar aparelhado, artificializado, calibrado pelo uso de próteses, constantemente adaptado aos contextos visuais e à velocidade de cada época.


Victor Hugo, por exemplo, durante a sua primeira viagem de trem, lamentou não conseguir discernir a paisagem através da janela, apenas traços e borrões que se fundiam numa espécie de dança amalucada. Algo bastante similar ao que ocorre hoje quando se tenta apreender pela primeira vez certos detalhes nos bruxuleantes cenários dos video-games, ambientes nos quais as gerações mais jovens se sentem perfeitamente à vontade.


Na segunda metade do século XIX, foi em torno do problemático conceito de objetividade que um rigoroso estatuto de visualidade se elaborou. E a fotografia tornou-se o seu emblema por excelência, ao disponibilizar a garantia material para o embrionário regime de certeza visual. Certeza de transparência do mundo cobiçada desde o uso dos artifícios óticos quatrocentistas, cuja finalidade era restringir os pecados da percepção através de próteses corretivas para o olho humano, como a perspectiva, a tavoletta de Brunelleschi e a câmara obscura e, mais tarde, no século XVII, no emprego das próteses óticas como o telescópio de Galileu e o microscópio de Anton van Leeuwenhoek.


A visualidade clássica, entretanto, ainda lograva ser concebida em analogia à experiência tátil. Jonathan Crary menciona a Lettre sur les aveugles a l'usage de ceux qui voient (1749), na qual Diderot, influenciado pelo empirismo de Locke, discorre sobre o matemático cego Nicholas Saunderson (1682-1739). Professor em Cambridge e considerado uma autoridade em geometria euclidiana e ótica newtoniana, Saunderson servia-se de um pequeno aparato constituído de contas e cordões para calcular e apreender as formas geométricas. Por conseguinte, de acordo com o seu exemplo, Diderot concluiu que


"Concebe-se sem dificuldade que o uso de um dos sentidos pode ser aperfeiçoado e acelerado pelas observações do outro; mas de modo algum que haja entre suas funções uma dependência essencial. Há seguramente nos corpos qualidades que jamais perceberíamos sem o toque; é o tato que nos instrui acerca da presença de certas modificações insensíveis aos olhos, que só as percebem quando foram advertidos por este sentido; mas tais serviços são recíprocos; e naqueles que possuem a vista mais fina do que o tato, o primeiro desses sentidos é que instrui o outro da existência de objetos e das modificações que lhe escapariam devido à sua pequeneza" (DIDEROT: 1979, p.24).


O breve ensaio, pelo qual Diderot permaneceu encarcerado em Vincennes durante três meses, ressalta Crary, decerto “não é mais uma depreciação do sentido da visão do que uma recusa à sua exclusividade”, embora o pensamento do enciclopedista destoasse do contexto em que, nas palavras de Foucault,


"A história natural não se tornou possível porque se olhou melhor e mais de perto. Em sentido estrito, pode-se dizer que a idade clássica se esforçou, se não por ver o menos possível, pelo menos por restringir voluntariamente o campo de sua experiência. A observação, a partir do século XVII, é um conhecimento sensível combinado com condições sistematicamente negativas. Exclusão, sem dúvida, de ouvir-dizer; mas exclusão também do gosto e do sabor, porque com sua incerteza, com sua variabilidade, não permitem uma análise em elementos distintos que seja universalmente aceitável" (FOUCAULT: 2002, p. 181-182).


A hegemonia da visão distanciada através dos aparatos técnicos, e centrada na representação - embora não raro a acuidade das representações fosse menos preocupante do que a calibragem dos aparelhos - conseqüentemente, assumirá tamanha influência no processo de reconstituição dos saberes responsável pela transformação da história natural em biologia que, se “o cego do século XVIII pode perfeitamente ser geômetra, não será naturalista”, ironiza Foucault, pois, como ressalta Crary,


"A noção da visão como toque é adequada ao campo do conhecimento cujos conteúdos são organizados em posições estáveis delimitadas em um âmbito extensivo. Porém no século XIX tal noção tornou-se incompatível com um campo organizado em torno da troca e do fluxo, no qual um conhecimento adquirido através do toque seria irreconciliável com a centralidade dos signos móveis e bens cuja identidade é exclusivamente ótica" (CRARY: 1992, p. 62).


REFERÊNCIAS:


CARTWRIGHT, Lisa. Screening the body: tracing medicine´s visual culture. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997.


CRARY, Jonathan. Techniques of the Observer: on Vision and Modernity in the Nineteenth Century. Cambridge: MIT Press, 1992.


DIDEROT, Denis. Carta sobre os cegos para o uso dos que vêem. IN: DIDEROT, Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, pp. 2-29.


FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2002.


GUNNING, Tom. O retrato do corpo humano: a fotografia, os detetives e os primórdios do cinema. IN:CHARNEY, Leo & SCHWARTZ, Vanessa R. (org.). O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2004, pp. 33-65.