sábado, 28 de abril de 2007

Tecnologias Eletrônicas e Metalinguagens

No gigantesco salto de aproximadamente 20000 anos que a história dá, desde o advento das primeiras tentativas de notação, através das talhas sumérias, por volta de 18000 a.C. , até as primeiras tentativas de transmissões telegráficas em meados do século XIX, a humanidade não só conheceu um aumento vertiginoso do volume de informações e testemunhou drásticas mudanças nas suas culturas, como experimentou diferentes formas de ser humano.
Aparentemente de forma paradoxal, à medida em que a evolução das tecnologias de notação avançou, à medida em que as informações foram ganhando uma dimensão cada vez mais simbólicas e universais, os sistemas notacionais apresentaram um fenômeno fantástico de redução crítica de complexidade, sob a forma da emergência súbita de uma nova ordem de linguagem: a metalinguagem.
A metalinguagem da qual se fala aqui deve ser entendida como a capacidade de um novo padrão codificante se constituir a partir de um anterior, com o intuito de, em um outro meio, ganhar eficiência e velocidade nas operações de comunicação e de memorização, garantindo o processo crescente de ganho de complexidade para um dado sistema, sem o comprometimento de sobrecargas energéticas.
A linguagem telegráfica, desenvolvida por Alfred Vail e Samuel Morse, é um invento genial tomando por base o alfabeto romano. Experiência pioneira em metalinguagem voltada para a resolução de uma imposição tecnológica — como transmitir mensagens aproveitando a energia elétrica recém distribuída ? —, visou a redução de todas as letras do alfabeto a um sistema de pontos, traços e espaços. Trata-se já de um sistema binário e digital, que envolveu a análise quantitativa dos usos das letras nas palavras de língua inglesa. As letras mais freqüentemente usadas, e e t, foram representadas nas formas mais simples do código, um ponto (ּ) e um traço (—), respectivamente. Letras com uso menos freqüente, como v (ּּּ—) e w(ּ — —­), receberam representações mais complexas.[1] Desta forma, em vez de lidar com toda a gama de sons da fala, ou com a diversidade visual dos tipos gráficos, este sistema lidava com estruturas mínimas de informações capazes de, sempre que se quisesse, serem vertidas para o sistema suporte, isto é, o alfabeto romano.
A implementação da metalinguagem telegráfica é um exemplo de como o desdobramento de uma linguagem em outra mais simples pode ser um recurso empregado pelo sistema humano para efetuar poderosas extensões de si mesmo através de um novo meio no qual a linguagem suporte estaria, ao menos inicialmente, inapta a ser transmitida. É um desdobramento análogo ao que as tecnologias computacionais irão realizar, aproximadamente, um século depois, abrangendo em sua metalinguagem digital de zeros e uns, então, não só o alfabeto, mas, diversas linguagens.
As tecnologias digitais permitirão um novo modelo de escrita, hoje amplamente disseminado, o texto eletrônico. A história deste modelo de texto revela o acúmulo das histórias de todas as tecnologias notacionais que o antecederam, desde as talhas, passando pela ficha-toquem, placas de argila e a escrita em papel, mas também de outras formas tecnológicas como o telefone, o rádio, o cinema e a TV.
McLuhan chamava a atenção para o fato de que o conteúdo de um meio é sempre um outro meio. De fato, quando se observa a evolução das linguagens compreende-se que cada nova etapa tecnológica se apropria da linguagem anterior estendendo-a, tomando-a como conteúdo e, em parte, aperfeiçoando-a.[2].
O texto eletrônico, se ao mesmo tempo se inscreve dentro da nova modalidade notacional das metalinguagens, fazendo parte de uma bifurcação evolutiva iniciada com o telégrafo cujas conseqüências serão analisadas mais a frente, se apoia também no conjunto de transformações cognitivas preparadas pelas tecnologias que o antecederam.
Se as tecnologias eletrônicas irão permitir o começo da reentrada dos cinco sentidos nos processos de comunicação — reduzidos que foram à visão especializada, desde o início do processo de implementação das culturas letradas — com o rádio, o cinema, a TV e finalmente com a realidade virtual, isto não pode se dar sem a diminuição da sobrecarga do sistema nervoso na participação direta em alguns processos das dinâmicas comunicacionais complexificadas.
Cada vez mais estendido e, assim, alterado, o mutante humano, agora, precisa iniciar um processo de religamento sensorial com o mundo que criou. Para isso continuará contando com suas extensões tecnológicas e com as disponibilidades neurais que estas mesmas tecnologias permitem, mais do que nunca.
[1] Ver Rowland, W. Spirit of Web - The Age of Information from Telegraph to Internet.
[2] No caso das tecnologias midiáticas, Jay David Bolter e Richard Grusin propõem o interessante conceito Remediação (Remediation). Os autores citam McLuhan como o primeiro a tratar deste processo, embora ressaltem que em McLuhan, trata-se da apropriação e da transformação de toda uma linguagem por um outro meio, e não apenas de uma forma de representação desenvolvida em um outro meio, como é o caso do conceito que propõem. Ver bem Bolter, J.D. e Grusin, R.; Remediation - Understanding New Media. p.p.44-45

2 comentários:

Anônimo disse...

"Através de cada instrumento, o homem recria seus próprios órgãos, motores e sensoriais, ou amplia seu funcionamento. [...] O homem, por assim dizer, tornou-se uma espécie de 'Deus de prótese'".
(S. Freud, O mal-estar na civilização, p.110-111)

Anônimo disse...

Valeu, anônimo(a) freudiano(a)...